Mais da metade dos candidatos de Campos, RJ, pediram auxílio emergencial
Dos 814 que concorrem a vereador ou prefeito, 421 pediram auxílio e 306 conseguiram o benefício; na lista há 2 candidatos milionários e 7 com mais de R$ 300 mil em bens.
Principal esperança de pessoas em situação vulnerável na pandemia, o auxílio emergencial esteve também no centro das atenções dos candidatos destas eleições municipais. Em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, mais da metade dos postulantes às vagas de vereador ou prefeito receberam o benefício, a despeito de, em alguns casos, terem apresentado declarações de bens milionárias ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O levantamento foi feito pelo G1 a partir do cruzamento de dados dos candidatos, mesma medida feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) nesta semana.
Dos 814 candidatos em Campos, incluindo aqueles com candidatura indeferida, mas sub judice, 421 entraram com pedido de auxílio emergencial. Trezentos e seis conseguiram o benefício, alguns inclusive agora, durante a campanha eleitoral. E outros 115 tiveram o pedido negado por não se enquadrarem nos requisitos do Ministério da Cidadania. Entre as profissões mais comuns dos candidatos que conseguiram os R$ 600 do auxílio estão comerciantes (32) e empresários (28), mas há ainda administradores de empresa (4), advogado (1) e engenheiro (1).
MPE acionado
Nesta semana, o TCU divulgou um relatório com o mesmo cruzamento de dados feito pela Inter TV. O estudo identificou 10.688 candidatos em todo o Brasil com patrimônio acima de R$ 300 mil; e outros 1.315 cuja declaração de bens estava acima de R$ 1 milhão. Do total, a maioria recebeu mais de duas parcelas do benefício.
“Esses candidatos, pessoas que se apresentam nas eleições para a representação da sociedade, possuem patrimônio absolutamente incompatível com esse tipo de benefício, um benefício de R$ 600, que deveria prestar para aliviar a fome e as dificuldades momentâneas de pessoas que abruptamente perderam o seu trabalho, a sua renda, as condições de produzir o seu sustento e da sua família, e aí nós nos deparamos com um quadro absolutamente lamentável, um quadro que dá asco”, disse o ministro-relator do TCU, Bruno Dantas, durante a apresentação do relatório.
A ministra Ana Arraes, que presidia a sessão na qual o relatório foi apresentado, demonstrou indignação.
“Roubar de pobre é triste. Roubar já é uma coisa triste, mas de pobre é horrorosa”, afirmou.
O TCU enviou o relatório ao Ministério Público Eleitoral, e determinou ao Ministério da Cidadania que faça uma revisão desses benefícios e informe quais medidas serão tomadas. Já o Ministério da Cidadania disse, em nota, que já cancelou mais de 1.200 benefícios irregulares de pessoas com patrimônio acima de R$ 300 mil.
Ricos com auxílio em Campos
Em Campos, dois candidatos com mais de R$ 1 milhão em bens receberam o benefício. Odvan Gomes da Silva, do MDB, ex-jogador do Vasco e da Seleção Brasileira, tem quase R$ 1,6 milhão. Ele recebeu quatro parcelas do auxílio emergencial, a última em 7 de outubro. Mas, procurado pela reportagem do G1, Odvan disse que não sabia de nada.
“Como a gente tem um nome, é uma pessoa conhecida mundialmente, as pessoas podem ter usado, como várias vezes no Rio também aconteceram essas coisas, mas enfim, eu estou tranquilo. Porque é a coisa mais fácil, né: pega Odvan e põe na internet, (qualquer um) tem todos os meus dados. Não estava sabendo de nada, você é a primeira pessoa que está me informando disso”, afirmou.
Já o comerciante Alexandre Almeida de Souza, o Alexandre Biscoito, do MDB, com patrimônio de R$ 1.155 milhão, recebeu cinco parcelas mais uma extensão. Em nota, o candidato confirmou que recebeu o auxílio.
“Eu estava registrado em uma empresa e, após a queda nas vendas, fui desligado. Recebi meu seguro-desemprego, e logo após veio a pandemia. Sem vínculos empregatícios, entrei, sim, com o pedido de auxílio emergencial. Com relação ao patrimônio declarado, eles foram adquiridos ao longo dos meus 29 anos de trabalho, em parceria com a minha esposa, e alguns ainda não estão quitados”, argumentou.
Além deles, outros 7 candidatos com mais de R$ 300 mil em bens receberam o auxílio. São eles:
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Walfredes Pereira Lopes, do PSL, patrimônio de R$ 400 mil. Chegou a ser beneficiado, mas teve o auxílio cancelado pelo Governo Federal. -
Geraldo Viana Dias, do Solidariedade, patrimônio de R$ 460 mil. -
Francisco Pereira Júnior, o Júnior Pereira do PRTB, patrimônio de R$ 450 mil. -
Hermegildo Grassini Neto, o Neto do Treze, do Solidariedade, patrimônio de R$ 431 mil. -
Jorge Elias Bicudo, do Cidadania, patrimônio de R$ 555 mil. -
Jorge Luiz Lilargem Lopes, do PSB, patrimônio de R$ 582 mil. -
Luíz Augusto Alves Teixeira, o Gutinho Teixeira do Pros, patrimônio de R$ 676 mil.
O candidato Júnior Pereira, do PRTB, disse que o patrimônio é fruto da herança de seus pais.
Todos os demais candidatos foram procurados, e o G1 aguarda o retorno deles.
Dinheiro em espécie
Outros 16 candidatos que receberam o auxílio emergencial, declararam ter entre R$ 5 mil e R$ 50 mil em espécie. São eles:
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Vanderlei Gomes Rangel, do PRTB: R$ 50 mil. -
Felipe Eduardo da Silva, o Felipe da Saúde, do PL: : R$ 30 mil. -
Jonas de Sousa Oliveira Castellar, o Jonas Gás, do PSC: R$ 22,5 mil. -
Mona Lisa Batista Ramos de Oliveira Leão, a Mona Lisa Batista, do Solidariedade: R$ 22 mil. -
Derley Martins Nunes, do Cidadania: R$ 10 mil. -
Alirio Almeida da Silva Menezes, do PTB: R$ 10 mil. -
Carina Moraes de Oliveira Pinto, do PTB: R$ 10 mil. -
Dalmir da Silva Barreto, do PTB: R$ 5 mil. -
Cleyse Regina da Silva Neves, a Cleyse Baiana, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Elifelete Firmino da Silva Bastos, a Tia Eli da Penha, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Enilson Pessanha Nunes, o Enilson Opcell, do PSDB: R$ 5 mil. -
Leandro da Silva Nunes, o Tio Leo do Força Maior, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Jorge Elias Bicudo, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Leonardo de Almeida Lima, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Marcos Antônio de Abreu França, o Marcos França, do Cidadania: R$ 5 mil. -
Patrícia de Moraes, do Cidadania: R$ 5 mil.
O partido do candidato Enilson Nunes respondeu em nota que "o PSDB cumpriu rigorosamente o dever de informar à Justiça Eleitoral a declaração de bens dos candidatos, e no caso específico, dado o sigilo pessoal de cada candidato, desconhecemos o fato descrito".
A candidata Cleyse Silva disse em nota, que "não recebeu qualquer quantia". Mas, segundo consulta ao Ministério da Cidadania, a candidata recebeu R$ 600 no dia 7 de outubro, e outras quatro parcelas estão previstas. Já sobre o valor declarado em espécie, justificou que "foi erro material do jurídico do partido" e já solicitou a correção do mesmo.
O G1 entrou em contato com os demais candidatos citados e aguarda a manifestação.
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