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No elevador

Em trinta e tantos anos de vida, já fui ao hospital como quem vai às goiabas. Nunca por nada realmente grave, afinal, este texto não foi psicografado. Mas guardo uma coleção de ossos remendados, hérnia estourada, pneumonia rasgada e até farpa no olho. Ainda assim, nenhuma desgraça foi tão traumática quanto os encontros no elevador do hospital.


Na primeira vez, eu era garoto e tentava visitar um parente, mas fui barrado pelos pequenos poderes de um segurança. Sem disfarçar o prazer, ele apontou o dedo para a placa na qual se lia que era “proibida a entrada de pessoas com vestimentas até os joelhos”. Mesmo as igrejas já permitem, argumentei, do alto (e de dentro) das bermudas jeans. Tenho mãe morrediça aí, menti a pior das mentiras, mas nem assim, nada enternecia o porteiro do universo.


Até que, aproveitando um desvio de atenção, esgueirei corredor adentro, escapei pelo saguão e me extraviei com a ajuda da morte. No caso, um defunto simpático que acabara de desembarcar da vida, embarcara no elevador e fizera a última gentileza de segurar a porta com o dedão do pé. “Desce?”, perguntou um enfermeiro de cara embalsamada, impingido um olhar tão taciturno que parecia ventríloquo do presunto.


A segunda lembrança não foi propriamente lá dentro, mas foi como se nele estivesse. Aconteceu, veja só, justo no corredor obstétrico, onde prevalece a candura dos que chegam ao mundo. Eu aguardava o nascimento da minha primeira sobrinha e, buliçoso, andava de um lado para outro, quase morrendo, de verdade, mas não por emoção, pois sim de tanto subir e descer escadas para fumar mil cigarros.


Prestes a conhecer o nascimento da vida, descobri o perecimento por meio de uma mensagem de celular na qual minha namorada sentenciava nosso fim. Morri um pouco ali. Por alguns segundos, senti-me no ascensor dos mortos, aos solavancos, sendo que o moribundo era eu e o elevador despenhava poço adentro. “Desce, por favor”, eu teria dito, dessa vez, ao ascensorista tinhoso. Mas ali fiquei, meio dormente, até ser despertado à realidade pelo berreiro de um bebê descobrindo o mundo, sinceramente arrependido.


Não sei como médicos, enfermeiros e funcionários conseguem manter a sanidade num ambiente tão fugidio, onde lutos e triunfos confabulam atrás de cada porta. Pensava nisso na última vez que estive lá, arrastado por uma virose. Havia uma comoção na porta do hospital, onde várias pessoas se entrelaçavam, escorando lágrimas no ombro alheio.


A atenção deles estava no corredor central, onde um menino, de não mais que dez anos, pilotava a cadeira de rodas do avô. Iam em direção ao elevador. Após alguma espera, a porta se abriu. Com um fiapo de voz, o velhinho falou para o jovem apertar o último andar. O menino acatou a ordem, mas em seguida pressionou todos os botões.


Não havia em seu rosto qualquer sinal de traquinagem. Enquanto a porta se fechava, ele apenas olhou para o velho e o abraçou, num silêncio resoluto. Aguentou firme. Quando o elevador tropicou, não houve como estancar o soluço.

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