Docinho
É verdade que os negócios já não iam bem, mas Romualdo tinha questões mais azucrinantes – como aguentar as intempéries de Ricardo, seu irmão gêmeo com quem havia tempo evitava contato. E fazia de tudo para manter assim, embora não conseguisse. Topava com os destinos dele ao ser confundido nas esquinas, como no dia em que varria a calçada de sua floricultura e um homem montanhoso chegou por trás, ciscou sua bunda e sussurrou:
– Saudade, docinho.
Virou piada entre os vizinhos de comércio da Rua das Noivas, que fizeram questão de expandir a anedota. Em dias modorrentos, surgiam clientes displicentes perguntando por Docinho. Ele se danava de ódio e expulsava o freguês sem poupar os débitos vencidos. Pior ainda quando chegavam por lá cobrando dívidas do irmão – e em seu nome! Aquele filho duma grandessíssima devia morrer, balbuciava.
Quase se arrependeu de seus anseios quando um cigano endemoniado surgiu procurando por Ricardo. Procurando, no caso, é modo de dizer: o sujeito entrou chutando a porta e lançou uma adaga em Romualdo, que desviou graças a um tropeço. Antes de o animal avançar em seu pescoço, ele catou um “dossiê”, que por sorte estava logo embaixo do balcão: era o álbum de fotos da família revelando toda a semelhança entre os dois, tão idênticos quanto antagônicos, incluindo cópias autenticadas do RG, do CPF e da certidão de nascimento de ambos. Convencido, mas não saciado, o cigano saiu espalhando espumas e um recado: ou você o encontra, ou eu reencontro você.
Romualdo nem teve tempo de perguntar o que o pilantra fizera daquela vez – como se não bastasse uma vida inteira dedicada a importuná-lo. Na escola, o desgramado aprendeu a escrever com a canhota só para se passar por ele. Não adiantava nem mudar o penteado porque lá vinha o irmão imitando seu corte e até seus trejeitos. Dali não demorou para expandir-se a cheques sem fundo, consórcios automotivos e toda sorte de canalhices. Chegava ao ponto de, mesmo sem gosto, traçar várias namoradinhas do outro. Sem contar um romance com um jardineiro da rua que caiu na conta de Romualdo. Ricardo negou até o fim, e a própria mãe nunca soube ao certo qual filho fizera o que. Quando ela morreu, não havia mais nada que os mantivesse em contato – exceto o fato de uma cópia de Romualdo andar por aí aprontando todas em seu nome.
Com o cigano, porém, a traquinagem ficou séria. Sua própria sobrevivência dependia de reencontrar o infeliz. Foi até o último endereço que sabia dele, mas não havia ninguém em casa. Caminhou por lá empinando o pescoço, na esperança de que alguém o reconhecesse. E aconteceu quando passou por um bar com sertanejo ao vivo. Um garçom estava na porta fumando um cigarro e, ao vê-lo, esbugalhou-se e tossiu meio pulmão antes de dizer:
– Richard, que bafo! Achei que tinha morrido!
Romualdo segurou o escarro, mas se recompôs impetuoso:
– Ué… Cê sabe que gato tem sete vidas! – respondeu, dando um tapinha no ombro tal como seu irmão fazia, mas tão bem encenado que encarou a própria mão, surpreso consigo mesmo. Camaleou mais um pouco, mas o