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O azarão da Baixada da Égua


Marquinho ainda frequentava a Escola de Jóqueis do Rio de Janeiro quando competiu pela primeira vez no Grande Clássico Mário Jorge de Carvalho, uma das mais tradicionais provas do turfe carioca. Mas a fama veio muito antes de ser dada a largada. Naquele início dos anos 90, com recém-completados 19 anos, ele já era anunciado pelo Jornal do Brasil como “a novidade dos matinais”, dono de um “arremate espetacular” e com “tempos incomuns”. Após 40 vitórias no hipódromo de Campos – fora outras dezenas clandestinas na praia do Farol de São Thomé –, Marquinho envergava a insígnia da cocheira do coronel Manoel Elysio, então comandante-geral da Polícia Militar e apontado como figura proeminente do hipismo e do jogo do bicho no governo Moreira Franco. É verdade que já havia conquistado algumas vitórias em solo carioca, mas nenhuma num Grande Clássico. Nenhuma pareado a jóqueis do quilate de Carlos Lavor, também campista e maior vencedor do Grande Prêmio Brasil, ou de J.Ricardo, que viria a ser o recordista mundial de vitórias no turfe. Depois de dominar pangarés nas areais do Farol, ele agora montava a égua Oclara, Puro-Sangue Inglês do coronel Elysio, ao lado dos maiores nomes da história do esporte.


Às 18 horas do dia 16 de novembro de 1991, o menino da roça e de 52 quilos estava na cancela do Hipódromo da Gávea, bufando ao ritmo da meia tonelada de animal. Marquinho e Oclara dispararam numa só galopada, como se fundidos num mesmo corpo, ao ponto de antes da primeira curva, mal sentia o cheiro dos outros sete corcéis. Oclara acumulou pescoços de vantagem e rasgou o Hipódromo da Gávea num fôlego ensandecido, ultrapassando Lavor, Ricardo e quem mais viesse, avançando terreno e vencendo por fora, fuzilante, até a marca final, sagrando-se a campeoníssima do derby. Uma vitória “com firmeza”, conforme anotou, com destaque, a edição do dia seguinte do Jornal O Globo.


Diante do público extasiado, o placar do hipódromo brilhou o nome de M.A.Santos. Com os punhos em riste, o “Garrutío” desfilou galopes pela arena, recebendo de longe o êxtase do público que tão logo o acolheria no camarote. Carregado às tribunas de honra, galgou entre os comensais que fariam parte de suas maiores desventuras em terras cariocas. Entre eles um consagrado empresário, morador do Jardim Botânico, que prometeu uma premiação diferente ao jovem campeão. “Passa lá em casa”, ele disse. E Marquinho, desconhecendo os traquejos cariocas, acabou indo.


“Rapaz, era um casarão tão grande que dava pra jogar bola na sala”.


O empresário foi até o canto e arrancou um quadro da parede, desvendando um cofre. Dali colheu um maço de notas e uma pedra branca, pouco maior do que uma bola de tênis.


“Está vendo isso aqui?”, disse o barão, exibindo um granizo de cocaína pura. “O que sobrar é seu”.


Arremessada contra a parede, a bola branca rachou apenas uma lasca de unha. Foi suficiente para sentir-se capaz de apostar corrida com a própria Oclara. Em vez disso, passou os dois dias seguintes de olhos vidrados, trocando a Escola de Jóquei pelas esquinas boêmias de um Rio de Janeiro que efervescia sob os estertores dos anos 90.


***

Primeiro capítulo do livro "O azarão da Baixada da Égua – A corrida contra o vento e o tempo no submundo do turfe carioca".



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