

O homem-cigarra
Escorado sobre o balcão da portaria do edifício, Maneco Lisberto vigiava os ponteiros do relógio quando ouviu um grito; e uma trovoada de móveis, e um alarido de vidraças até uma voz se rasgar por socorro. O porteiro pensou logo em ladrão, mas no caminho já imaginava o que o aguardava. – Calma, dona, tá tudo bem. É só um bichinho… – Bichinho?! Isso aí é um monstro nojento! Toda primavera é essa invasão insuportável! – Que nojento, dona. Sabe alcaparra? Se você refogar as ciga


Cão pirata
Não sei em qual ocasião Zico deu mais sorte na vida. Se ao contrair a doença do carrapato após ser devolvido da adoção, ou se na vez em que fugiu do nosso convívio e perdeu um dos olhos. Era uma tarde de quinta-feira quando fomos à Associação de Bichos Abandonados, no Farol de São Thomé, onde moramos. Maria, sob a autoridade de seus nove anos, não parava de mastigar os próprios pensamentos: por que foram abandonados?, qual raça?, qual cor?, qual nome?, quando, como, por que m


O velho e o poço
– Já apareceu? – Suncê tá com pressa? Tem compromisso amanhã? – Se tiver um amanhã… – Então fica de bico murcho ou vaza fora. – Ela por acaso só aparece se fizer silêncio? Qual é o seu pobrema? – Pobrema, Mitinga?! O mundo num rebucetê danado e você com indagação de problema?! Sério; pobre da humanidade que tem um imbecil como esperança… A gente merece a extinção, mesmo. – E você, que fica dia e noite aí, feito um maconheiro na beira-mar, esperando uma luz idiota aparecer no